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V DE VINGANÇA

Não é o homem que conta a história que importa. O que importa é a idéia dessa história.


Duas das histórias que eu mais gosto são Moby Dick e O Conde de Monte Cristo. Em comum, ambas têm como tema básico a vingança: a do Capitão Arab contra a baleia que amputou-lhe a perna e a de Edmond Dantes contra todos os que arruinaram sua vida.

Após as (sofrível e horripilante, respectivamente) adaptações de Do Inferno (01) e A Liga Extraordinária (03), para o meu total espanto, V de Vingança conserva toda a verborragia (dada as devidas concessões, claro) e todo o clima "anárquico" (idem) dos quadrinhos de Alan Moore, publicados no início da já distante década de 1980, numa época em que o punk ainda dava sinais de vida, a Inglaterra (terra natal do autor) estava sob o comando da Dama de Ferro e a Guerra Fria continuava não declarada.

Na essência, a história corresponde a um "grito" contra "tudo o que aí estava", de forma bem maldita, bem "underground", mas agora, o filme é lançado por um grande estúdio, com o objetivo de alcançar um grande público. "Pelos mesmos criadores de Matrix", é o lema da campanha de marketing.

Apesar de reconhecer momentos chaves dos quadrinhos no filme, algumas cenas são difíceis de acreditar que tenham saído da cabeça de Moore (faz tempo que eu li a minissérie pela última vez). Tudo isso para dizer que, apesar de certos "truques", o core da idéia original está lá na telona: numa Inglaterra tomada pelo fascimo, V é um terrorista que, antes de querer se vingar daqueles que o deixaram em sua atual situação, quer derrubar o regime totalitário que mentiu para seus eleitores e destruiu tantas vidas, a dele no meio. Um regime que instigou o medo na população para tomar o poder e se perpetuar nele.

Confesso que fiquei constrangido por estar ao lado do terrorista, mas é impossível você não ser desmontado por seus argumentos. Felizmente Evey diz o que estava engasgado na minha garganta. "Sim, eles são monstros. E você? Você não é muito diferente deles", diz para V, que fica sem resposta.

Entre uma citação de Fausto e outra de McBeth, há espaço para um "filme dentro do filme", com trechos de uma das adaptações do livro de Alexandre Dumas para as telonas. Destaque para o momento de êxtase ao qual o diretor nos submete com Anthony and The Johnsons durante a valsa de V e Evey, o "momento de inflexão" do personagem de Stephen Rea, ao tomar uma decisão que ele sabia que era a mais correta, mas que era contra seus superiores. "E se você descobrisse que o seu governo mentiu para você?", diz um determinado momento.

Citar todos os "pequenos momentos" aonde Alan Moore dá o seu recado, como por exemplo, no "amor proibido" de duas personagens, que servirá de inspiração para Evey num dado momento estragaria a surpresa de que ainda não viu o filme. Basta ficar bem atento e prestar atenção quando ele critica aqueles que acham que o "diferente" é errado e deve ser proscrito.

O destaque negativo é Hugo Weaving, que parece reencorporar seu Agente Smith em alguns momentos, mas nada que comprometa seu V, que solta o verbo de forma maestral. Natalie Portman está bem e John Hurt está excelente. Falar de Stephen Rea seria inútil, pois sou seu fã desde The Crying Game (93) e, desde então, ele não me decepcionou.

V de Vingança não é a história de um homem, que é mortal e um dia morrerá. É sobre uma idéia, que pode ser passada de geração à geração e, assim, se tornar imortal. Antes de ser uma história cujo protagonista é um terrorista assassino, ele nos conta como deve ser o governo para o povo, de como um povo pode se mobilizar. Algo meio em baixa num certo país tropical.


Não é o povo que deve temer seu governo, e sim o governo que deve temer seu povo.


A
V for Vendeta (James McTeigue, ING/ALE, 2006)
Quando: Abr/06 (UCI Recife)
Site Oficial: www.vforvendetta.warnerbros.com

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